5/10/2009
ARQUIVO JJ
A minirreforma eleitoral sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na última semana representa um obstáculo à transparência das campanhas e abre brecha para práticas ilícitas na captação de recursos para o financiamento de candidaturas em 2010. A opinião é do procurador regional eleitoral, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, para quem o texto da nova lei permite a proliferação de doações ocultas aos partidos políticos, sem possibilidade de rastreamento. Leia os principais trechos da entrevista.Após 2012 não haverá impedimento para vigorar a PEC dos vereadores
Associação Paulista de Jornais- O senhor recomendou aos promotores eleitorais do Estado que combatam a posse imediata dos suplentes beneficiados pela PEC dos vereadores. Por quê?
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves- Entendemos que se o Congresso quer aumentar o número de vereadores, ele pode fazer isso. É uma decisão política e é possível concordar ou não com ela. O que o Congresso não pode fazer, pois uma emenda constitucional não tem este alcance, é dar efeito retroativo ao aumento do número de vereadores. E foi exatamente o que o Congresso fez. Aprovou uma emenda mandando aplicar imediatamente. Isso significa que uma cidade que tinha nove vereadores e agora tem 15 vai dar posse a seis suplentes. Isso é inconstitucional. Daí a recomendação aos promotores para que suscitem perante o juízo eleitoral a inconstitucionalidade deste trecho da emenda e não deixem este pessoal tomar posse.
APJ- Os promotores só agiriam caso haja alguma movimentação para posse?
Gonçalves- Sim, se houver uma movimentação de alguém sendo empossado. No Brasil, já tivemos notícia de que estão dando posse a suplentes.
APJ- E no Estado, há algum caso efetivado?
Gonçalves- Não tive notícia que tenha ocorrido em São Paulo. Mas a ideia é ficar vigilante e, se forem dar posse, ajuizar medidas perante a Justiça Eleitoral para impedir.
APJ- Quais seriam as medidas adotadas?
Gonçalves- Tem duas maneiras. Para uns, a Justiça Eleitoral teria que fazer o recálculo do quociente partidário e eleitoral. Neste caso, seria possível, caso a Justiça desse posse, impetrar um recurso contra a expedição do diploma. Mas, temos informação de que não estão fazendo recálculo algum. O presidente da Câmara chama o suplente e diz que a vaga é dele. Aí neste caso, nós teríamos que entrar com um mandado de segurança perante a Justiça Eleitoral.
APJ- E no caso dos suplentes que já foram diplomados pela Justiça por ocasião da eleição. Alguns deles pretendem usar mandados de segurança para garantir a posse imediata...
Gonçalves- Eu acho que esta posse não pode acontecer. Se for negada a posse e eles impetrarem mandados de segurança, o Ministério Público vai dar parecer neste caso. E aí a sugestão é para que não se dê posse.
APJ- A partir de 2012, não há impedimento para a PEC vigore?
Gonçalves- Aí não há o que contestar. A questão é a retroatividade. Com relação a 2012, a gente pode gostar ou não, mas o Congresso tem esta competência. Agora, com relação a dar efeito retroativo é que a Constituição está sendo ofendida.
APJ- Como o senhor avaliou o comunicado do presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, feito aos tribunais regionais eleitorais também recomendando que não seja dada posse aos suplentes?
Gonçalves- O TSE respondeu a uma consulta em 2007. E disse o seguinte: se a alteração for depois das convenções partidárias, ela não pode valer para aquelas eleições. Esta foi a resposta. E isso tem uma explicação clara: o partido só pode lançar um número determinado de candidatos, baseado no número de vagas em disputa. Se depois das convenções a regra é alterada, o partido fica prejudicado. É esse sentido a manifestação do TSE.
APJ- Qualquer alteração na composição da Câmara hoje representa, então, uma ofensa à Constituição?
Gonçalves- Você está desrespeitando o critério de que só pelo voto a pessoa pode ser eleita. Esses vereadores foram votados, eles são suplentes. Mas perderam. Não podem agora ser empossados com uma emenda constitucional. É como ganhar o campeonato no ´tapetão´.
APJ- E a vigência do projeto dos ´fichas-sujas´, o senhor acredita que possa ser viável para 2010?
Gonçalves- Não tem mais jeito para as eleições de 2010.
APJ- Mas há uma avaliação de que, se o projeto for sancionado até junho, poderia valer...
Gonçalves- Eu adoraria pensar desta maneira, mas acho que não. Você não pode alterar o processo eleitoral a menos de um ano do pleito. Eu entendo que as regras de elegibilidade são regras do processo eleitoral. Então, a data-limite já expirou. Isso será válido para 2012. Sou totalmente favorável ao projeto, só acho que não dá para aplicá-lo agora.
APJ- O prazo de filiações terminou e houve intensa movimentação de troca de partidos. É possível que estes políticos percam os cargos por conta da infidelidade?
Gonçalves- Eu não posso opinar de maneira genérica. Cada caso é um caso. A resolução do TSE que regula a matéria permite a troca de partidos em algumas circunstâncias. Mas realmente causa espécie que estas circunstâncias ocorram todas ao mesmo tempo. Mas aí teria que ser analisado individualmente.
APJ- A iniciativa de pedir o mandato cabe ao partido?
Gonçalves- Sim, mas ao Ministério Público cabe uma legitimação concorrente, supletiva. Se o partido não entra no prazo, nós podemos entrar. Cada um tem que analisar o caso específico.
APJ- Como o senhor avaliou o resultado da reforma eleitoral sancionada pelo presidente Lula?
Gonçalves- Um retrocesso total.
APJ- Quais os pontos mais críticos?
Gonçalves- A reforma facilita doação oculta, dificulta a responsabilização do candidato que tem as contas rejeitadas, o candidato que era administrador público e teve as contas rejeitadas pelo TCU pode agora se candidatar tranquilamente. Tirou a atribuição do MP para entrar com ações contra programas televisivos abusivos. Esta reforma veio para piorar. Não melhorou em nada.
APJ- Quanto às doações ocultas, em que sentido o senhor acredita que a lei ficou menos rigorosa?
Gonçalves- Agora a lei teve o objetivo de incentivar as doações aos partidos políticos. Quando você doa para um partido, você não consegue rastrear depois para quem foi o dinheiro. Isso atenta contra a transparência.
APJ- E a rejeição de contas não é mais critério de inelegibilidade...
Gonçalves- A reforma favoreceu a vida deles. Mesmo os candidatos que tiverem contas rejeitas, basta que entrem com ação qualquer em juízo, ainda que na véspera da eleição, é só provar o protocolo que eles terão a candidatura aprovada.
APJ- E contra isso, não há remédio jurídico?
Gonçalves- Essa foi uma decisão do Parlamento. Precisamos analisar para ver se há alguma brecha, mas a princípio está consolidada a alteração.
APJ- O senhor teme que haja abusos nos programas televisivos?
Gonçalves- Só os partidos políticos podem impugnar os programas uns dos outros. O problema é esse. O cidadão não pode. O que acontecia é que o cidadão procurava o MP e a gente ajuizava ação. Agora, nem isso. Estamos na mão do partido político.
APJ- O MP perde a condição de monitor deste processo?
Gonçalves- A representação somente poderá ser oferecida pelo partido político. Agora, se o sujeito vai lá no programa de tevê em que ele tinha que apresentar programa partidário e fica fazendo campanha descarada dele mesmo, nem o cidadão nem o Ministério Público têm alternativa. Acho até que dá para sustentar inconstitucionalidade neste artigo. Você não dá alternativa ao cidadão. O eleitor fica a ver navios. Se os partidos fazem acordo, por exemplo, fica tudo por isso mesmo.
FÁBIO ZAMBELLI | APJ
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