domingo, 1 de fevereiro de 2009

A lógica da vereança

Humberto Dantas*

Em 2008, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) divulgou uma pesquisa que revelou a percepção dos eleitores sobre as atribuições de um vereador. Apesar de mais de 90% entenderem que esses representantes devam fiscalizar o Executivo e propor leis, parcelas significativas revelam posições preocupantes. Cerca de dois terços ou mais dos cidadãos entendem que os vereadores devem ajudar na solução pontual de problemas em órgãos públicos; pagar despesas hospitalares e funerárias; proteger pessoas ameaçadas; e arrumar empregos.

Diante desse cenário, fica a questão: o que um vereador faz? Em um país que ignora as funções do Legislativo, e oferece super poderes ao Executivo, podemos esperar pouco de nossos parlamentares na qualidade de propositores de leis. Isso porque a capacidade de legislar fica em
segundo plano, sendo transferida ao Executivo. A taxa de aprovação de projetos desse poder em qualquer esfera é superior ao sucesso das idéias criadas por vereadores, deputados ou senadores.

Assim, a segunda alternativa para um Legislativo compromissado seria fiscalizar. Essa tarefa, no entanto, é pouco conhecida. Além disso, comumente é engolida por sólidas maiorias governistas, capazes de tolher o espírito crítico de alguns parlamentares em troca de mais favores, recursos e projetos aprovados.

Resta então, lamentavelmente, a última das questões legitimadas de acordo com a pesquisa da AMB: o jogo dos favores. Para tanto, como bem mostraram reportagens recentes, os legislativos se tornam máquinas caras e estruturadas para a realização de benesses. Em São Paulo, por
exemplo, verbas adicionais são criadas para equipar a estrutura do ?gabinete paroquial?. Assessores, veículo oficial, recursos dos mais diferentes tipos, regalias e uma série de aparatos garantem a legalização da imoralidade.

Aprofundar a dependência e consolidar direitos como favores tornam-se atos de sobrevivência política para uma série de vereadores. O cidadão passa a compreender que o ?seu? vereador lhe deve favores, pois foi com muita gentileza que lhe ofertou o voto no pleito passado. Dessa lógica surge a descrença de parcelas da sociedade e a perpetuação dos ocupantes dos cargos legislativos, que utilizam estrategicamente vantagens eleitorais que, no mínimo, poderiam ser caracterizadas como uso da máquina em benefício de campanhas ? um crime de baixa detecção.

Diante do problema, resta-nos perguntar: até quando? Pelo menos por mais 30 anos, tempo que a filosofia indica como necessário a uma revolução cultural. Nesse sentido, o uso das mais diversas verbas se mantém alimentando o que parcelas mínimas da sociedade criticam, e o
que muitos cidadãos reforçam. Afinal de contas: não existe favor sem legitimação dos lados envolvidos. Ganha o vereador, ganha um eleitor, mas perde a sociedade. Até quando?


* Doutor em ciência política, professor universitário e conselheiro do Movimento Voto Consciente.

** Artigo publicado no JT de 31 de dezembro de 2008.

fonte: VotoConscienteSP

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Dê sua opinião, ela é importante!